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O dilema dos BDRs

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Um dos principais pontos da minuta que atualiza a Instrução 202, divulgada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no fim de 2008, a mudança na regra para a emissão de recibos de ações no mercado brasileiro (BDRs, em inglês) promete ser um dos itens que vai receber mais sugestões e críticas durante o período de audiência pública da norma, que vai até 30 de março. No mercado, a maioria aprova a novidade trazida pela CVM, que exige que a companhia tenha 50% da receita fora do Brasil para ser elegível à negociação de BDRs, embora haja quem se manifeste contra as mudanças. Mas a questão não é só essa. Um dos principais dilemas criados com esse requisito novo é o fato de que existem companhias que já emitiram BDRs e passariam a ficar desenquadradas, já que a instrução não pode ser retroativa.

O objetivo da autarquia com a restrição é evitar o uso dos BDRs por empresas que, do ponto de vista operacional, são de origem brasileira, mas que instalaram sede em outro país. A primeira norma formatada para emissão de BDR foi feita na época do primeiro caso de emissão desse tipo no Brasil, que foi o da Telefónica. Nessa regra, feita num momento em que o mercado de emissões primárias estava muito parado, não foi estabelecida uma vedação para empresas locais que fixassem sede no exterior.

Na prática, porém, a CVM se deu conta de que os investidores poderiam ficar mais desprotegidos, já que a legislação societária brasileira e o regime de responsabilidade dos administradores ficam mais difíceis de ser aplicados. "A prática mostra que os emissores geralmente escolhem países que adotam regimes jurídicos flexíveis para empresas que se constituem sob suas leis, mas não tenham atividades naquele país", diz o edital de audiência pública da nova regra.

A autarquia destaca que claramente esses emissores de BDRs estão submetidos à Lei 6.385, que criou a CVM e determina quem está sob a disciplina da reguladora e fiscalizadora do mercado. Mas não há a mesma clareza de que se possa exigir desses emissores o cumprimento da Lei das S.A., que estabelece as regras societárias brasileiras.

A advogada Ana Carolina de Salles Freire, sócia do escritório Tozzini, Freire, diz que é favorável às mudanças nas regras de BDRs, mas sugere que poderia ser adotada uma mescla de vários critérios para determinar se a companhia é estrangeira. "Uma ideia, por exemplo, é observar onde estão os principais ativos e também em que país ficam baseados os principais executivos e os conselheiros", analisa. Para a advogada, excesso de regulação e restrições não costumam ser tão bons, mas, neste caso, a prática mostrou que a emissão de BDRs foi mais usada por empresas que não seriam elegíveis pela nova regra, então isso é um sinal de que uma mudança pode ser necessária.

Com relação ao estoque de companhias que já possuem BDRs listados, a solução poderia ser uma regra de transição. "Isso ocorreu nos Estados Unidos, uma adaptação gradual", diz Ana Carolina, que avalia como uma alternativa a proposta de enquadramento quando a companhia quiser fazer uma nova emissão. As empresas que possuem BDRs na Bovespa hoje são Agrenco, Banco Patagônia, Cosan Limited, Dufry, GP Investments, Laep (Parmalat), Tarpon, Telefónica e Wilson Sons.

O advogado Jose Eduardo Carneiro Queiroz, sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga, não vê nenhuma vantagem nas mudanças propostas. "Não acredito que a regulação ficará boa por causa das alterações", afirma.

Para ele, os BDRs não limitam o poder de fiscalização da CVM, que pode ser exercido em relação a qualquer operação do mercado de capitais. "Quando há suspeita de fraude, a CVM tem de investigar e punir, independentemente de a empresa ter BDRs ou ações."

Além de não gerar benefícios ao investidor, a mudança pode restringir novos negócios no país, avalia Queiroz. "Regras restritivas sempre têm efeito colateral, que nesse caso seria a limitação da oportunidade de lançamento de novos BDRs", diz.

Queiroz defende que, para algumas empresas com a maior parte dos negócios estabelecidos no país, faz sentido ter sede no exterior. Como exemplo, citou companhias que tenham sócios estrangeiros. "Também são legítimas as que querem buscar um lugar com tratamento tributário mais favorável."

Já o ex-presidente da CVM e sócio do escritório Motta, Fernandes, Luiz Leonardo Cantidiano, considera muito positivas as mudanças propostas pela autarquia. "A sugestão é bastante apropriada", diz. Para ele, o BDR deve cumprir exatamente a mesma função que um ADR (o recibo de ações americano). Por conta disso, as regras aplicáveis aos ADRs, nos EUA, podem servir como uma orientação para as regras a serem adotadas no mercado local. Ele admite, porém, que a questão das empresas já existentes é mais complexa, uma vez que regras novas não podem ser impostas a operações anteriores.

Até o dia 30 de março, a CVM vai receber os comentários e sugestões dos participantes do mercado com relação a esta e a outras regras propostas na minuta. No texto e no dia da divulgação do edital, a CVM ressaltou que gostaria de saber o que o mercado pensa desses pontos relativos aos BDRs. "Imagine uma companhia argentina que produz alfajor e quer crescer no Brasil e acabe obtendo a maior parte das receitas aqui. Não queremos criar uma espécie de desestímulo a esse tipo de coisa, por isso é importante o debate", disse a superintendente de normas da CVM, Luciana Pires Dias.

Outra ponderação foi em relação à exigência de enquadramento para novas emissões das empresas que já emitiram BDRs. A preocupação é que isso não acabe se tornando, em determinados casos, algo que possa ser de alguma forma prejudicial aos acionistas, inclusive os minoritários.

Alexandre Di Miceli, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), é favorável às mudanças nas regras e acredita que as alterações estão sendo realizadas até com um pouco de atraso. Segundo ele, o que a CVM está propondo é basicamente o que existe em outros mercados, como o dos Estados Unidos, que exige que as empresas que lançam ADRs sejam estrangeiras de fato e não legalmente apenas.

Com relação às empresas que já têm BDRs listados, ele também acredita que uma opção poderia ser algum tipo de transição. Já as empresas que hoje são brasileiras, mas que com o tempo passem a ser estrangeiras, ele acredita que não deveria ser permitida a listagem de BDRs. "Seria uma fuga em relação às normas locais", afirma. No caso contrário, de estrangeiras que se tornassem brasileiras, ele defende que o ideal seria dar um tempo para que as corporações pudessem migrar de BDRs para ações.

Valor

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Written by gandalfwizard

27 de fevereiro de 2009 às 13:11

Publicado em Agrenco, BDR, Cosan

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