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Redecard e Visanet respondem à pressão do BC

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Após contratarem batalhões de advogados, economistas e consultores, as empresas de cartões definiram a estratégia que será usada para tentar convencer o Banco Central a não adotar mudanças drásticas na regulamentação do setor. Com mais de 80% de participação no mercado brasileiro de processamento de transações com cartões e com uma lucratividade alta, Redecard e Visanet têm sido pressionadas pelo BC e pelo Congresso a dividir os ganhos de escala e de produtividade com lojistas e consumidores. Segundo apurou o Portal EXAME, as duas empresas afirmaram ao BC que vão aumentar a competição entre si pela preferência dos lojistas – e que isso não depende de nenhuma das propostas defendidas no diagnóstico do setor elaborado por técnicos do banco. Esse estudo do BC foi colocado em consulta pública, que terminou no último dia 30, quando a Abecs (a associação das empresas de cartão) também entregou um documento com sua posição.

Hoje Redecard e Visanet disputam o credenciamento dos estabelecimentos comerciais que aceitam pagamentos com cartões e também concorrem pelo volume de transações – com promoções para compras com pagamento de determinada cartão, por exemplo. Mas, na prática o lojista não pode optar por uma ou outra empresa porque somente a Visanet processa as transações com cartões da bandeira Visa e apenas a Redecard é responsável pelas operações com Mastercard. Como em geral o interesse dos lojistas é de aceitar cartões das duas bandeiras, eles são obrigados a contratar terminais das duas empresas – o que reforça a percepção do BC de que o setor funciona como um oligopólio.

Essa lógica terá uma profunda mudança em junho de 2010, quando termina o contrato de exclusividade entre a Visa e a Visanet. A partir dessa data, a Visanet poderá oferecer aos lojistas terminais de pagamento – conhecidos como POS – capazes de processar transações com cartões tanto da Visa quanto da Mastercard. Dois dos bancos sócios da Visanet, o Bradesco e o Santander, já possuem inclusive a licença para capturar as transações com cartões da Mastercard. Isso só não é feito pela Visanet hoje porque a empresa tem esse acordo de exclusividade com a Visa. O mesmo vale para a Redecard. O Itaú-Unibanco, que controla a empresa, só espera o fim do contrato de exclusividade com a Visanet para adquirir uma licença da Visa que permitiria à Redecard começar a processar as transações com as duas bandeiras. Se por um lado a Visanet deve oferecer um pouco antes o terminal de pagamento das duas bandeiras porque seus controladores já possuem as duas licenças, por outro a Redecard tem mais a ganhar com essa mudança porque sua participação de mercado é de 33% – contra 47% da rival.

A possibilidade de que um único POS processe transações das duas bandeiras já existe hoje, mas ainda consiste em um projeto-piloto. Os terminais compartilháveis – ou capazes de processar tanto as transações com Visa quanto com Mastercard – ainda não oferecem todos os serviços existentes em um comum, como pagamentos com vale-refeição ou recarga de celular, entre outros. As empresas trabalham para que esse problema seja resolvido até 2010. A Redecard e a Visanet possuem cerca de 10.000 POS compartilháveis. No entanto, o terminal compartilhável da Redecard, por exemplo, não é responsável pela transação com cartão Visa. Essa máquina possui um roteador que transfere a transação para a rede da Visanet – que acaba ficando com a maior parte da comissão pelo serviço. A partir de 2010, no entanto, o terminal da Redecard vai processar as transações com Visa ou Mastercard pela sua própria rede – o que fará toda a diferença.

A competição vai crescer entre as empresas porque o lojista poderá contratar só a Visanet ou só a Redecard para aceitar pagamentos com Visa ou Mastercard. É bastante improvável, no entanto, que a disputa entre as duas empresas pelo credenciamento de lojistas leve à canibalização dos negócios – com a destruição de valor para ambas. A comissão cobrada nas transações com o POS e a taxa de aluguel dos terminais poderá cair para que uma empresa consiga tomar espaço da concorrente. Mas o impacto no lucro de Redecard e Visanet será limitado.

A ideia das empresas é disputar a preferência dos lojistas não apenas com preços menores mas também com a qualidade dos serviços, com novas tecnologias, com assistência técnica e com outras estratégias. Para as lojas de médio e grande porte, também será interessante continuar a contratar os serviços das duas empresas por dois motivos: 1) ter uma opção em caso de falha na rede de uma empresa; e 2) muitos comerciantes precisam de vários terminais de pagamento porque atendem a um número muito grande de clientes. Tanto isso é verdade que dos 10.000 POS compartilháveis existentes hoje, apenas 2.000 são utilizados para transações com as duas bandeiras.

Por último, os lucros de Redecard e Visanet também teriam a proteção natural de não depender excessivamente dos POS. Cerca de 45% de todo o volume de transações com cartão no Brasil passa hoje por PDV – um outro terminal de pagamento usado pelas maiores varejistas e que já aceita todas as bandeiras.

Hoje a possibilidade de que outras empresas passem a prestar o serviço também não constitui uma preocupação real para o setor de cartões. O custo para a aquisição de uma rede de centenas de milhares de POS é alto – cada terminal custa cerca de 300 dólares. No entanto, esse é um valor com o qual um grande banco como o Bradesco, o HSBC e o Santander – que já possuem licença para processar transações da Mastercard – poderia facilmente arcar. O que impediu essas instituições de entrar no mercado de Visanet e Redecard nos últimos anos foram os custos com segurança, construção de rede, desenvolvimento de serviços e criação de relacionamento com os clientes. E isso não deve mudar mesmo que o BC adote novas regras para o setor. Além disso, para os grandes bancos, disputar o mercado de processamento de transações com cartão não é tão interessante quanto conquistar cada vez mais contas correntes de indivíduos e empresas.

Muito provavelmente a primeira mudança que deve acontecer é a concessão formal de poder para o Banco Central regular o setor de cartões. Hoje as empresas acreditam que o BC não tem autoridade para regular o setor. As companhias, no entanto, admitem que o BC tem mais conhecimento técnico do que o Congresso para mexer nas regras do setor. Técnicos do banco já estudam o setor há muitos anos e conhecem o funcionamento do sistema de pagamentos eletrônicos em dezenas de países. No futuro, o BC poderia até mesmo criar um departamento específico para analisar o setor de cartões. As empresas acreditam que, se o debate sobre as novas regras cair no Congresso, haveria uma margem maior para a adoção de medidas populistas e sem embasamento técnico.

Outro benefício seria a maior transparência na forma de atuação do setor. Associações de defesa do consumidor já acusaram as empresas de toda a cadeia de cartões – bancos emissores, bandeiras e empresas de processamento de transações – de adotar práticas abusivas para lucrar com os clientes. Ao assumir a responsabilidade pela legislação do setor, o BC acabaria com essa impressão de que existe um vácuo regulatório que permite às empresas fazerem o que querem.

As empresas, no entanto, preferem que a concessão de poderes formais para o BC seja feita por meio de um projeto de lei – e não por medida provisória. Para evitar surpresas, Redecard e Visanet gostariam de participar das discussões sobre a regulação do setor durante a análise desse projeto no Congresso. Analistas de mercado temem, por exemplo, que, caso a Visanet e a Redecard passem a ser consideradas instituições financeiras sujeitas a supervisão do BC, a alíquota do Imposto de Renda pago pelas companhias suba de 34% para 40%. No entanto, as empresas propõem que sejam consideradas instituições financeiras, exceto para fins tributários e trabalhistas.

A preocupação trabalhista deve-se à possibilidade de que os funcionários das empresas de cartão transformem-se em bancários – que possuem um sindicato forte e que tradicionalmente obtém reajustes salariais acima da inflação. As empresas sustentam, no entanto, que os funcionários das financeiras, por exemplo, são enquadrados como comerciários – e pedem para si benefício semelhante.

Outro temor do mercado é de que principalmente a Redecard tenha de pagar mais IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) caso torne-se uma instituição financeira. Quase 20% da geração de caixa da empresa é obtida com o serviço de antecipação de recebíveis – que hoje não está sujeito ao pagamento de IOF. No Brasil, a liquidação dos pagamentos com cartão ocorre em 30 dias. Para reduzir a necessidade de capital de giro para cobrir esse prazo, muitas lojas contratam o serviço de antecipação de recebíveis em troca de uma pequena comissão paga para a Redecard. A empresa, no entanto, tentará convencer o BC de que mesmo que ela se torne uma instituição financeira, não estará sujeita ao pagamento de IOF na antecipação de recebíveis porque essa não é uma operação de crédito. Se a loja tem a receber 10.000 reais de pagamentos em cartão no final de um mês e a Redecard lhe antecipa esse dinheiro, não se trataria de um empréstimo. A situação só seria diferente caso a Redecard repassasse a essa mesma loja 20.000 reais – sendo que nesse exemplo 10.000 reais seria o crédito.

O projeto que tramita na Câmara e que permite a cobrança de um preço maior para pagamentos com cartão de crédito também é encarado com naturalidade pelas empresas. A proibição do sobrepreço está prevista no Código de Defesa do Consumidor, mas seu fim foi defendida também pelo BC no relatório que fez um diagnóstico do setor de cartões. A conclusão do BC é que hoje os consumidores que pagam suas compras à vista – em geral, de baixa renda – acabam subsidiando os consumidores que pagam com cartão de crédito, muitas vezes em diversas parcelas.

As empresas argumentam que esse tipo de medida já foi adotada em outros países e não funcionou porque acabou por elevar os preços para todos os consumidores. Além disso, muitos estabelecimentos e sites de comércio já encontraram uma forma de burlar a proibição estabelecida no Código de Defesa do Consumidor ao estabelecer "descontos" para pagamentos em dinheiro ou com débito direto em conta corrente. Por último, uma pesquisa realizada pelo próprio BC mostrou que 65% dos lojistas não adotariam o sobrepreço para o cartão de crédito caso essa prática fosse permitida. A Austrália adotou esse modelo e menos de 20% dos estabelecimentos praticam o preço diferenciado. A Holanda também aprovou essa política, mas depois voltou atrás.

Como a medida não conta com a simpatia do Ministério da Fazenda, a avaliação do setor é que haverá dificuldades para ser adotada pelo Banco Central. O maior chance de o sobrepreço deixar de ser proibido vem por meio de um projeto de lei que tramita no Congresso. O Ministério da Fazenda é contrário à medida porque acredita que seria um desincentivo para o pagamento com cartões de crédito. O cliente poderia usar dinheiro vivo para o pagamento de compras, o que facilita a informalidade e a sonegação de impostos, já que a Receita Federal é informada sobre todo o dinheiro recebido por estabelecimentos comerciais por meio de cartões.

Na visão do BC, a estrutura verticalizada das empresas de cartão funcionaria como uma barreira de entrada para novos concorrentes no mercado. Redecard e Visanet atuam de três formas: credenciamento de lojistas, processamento das transações e liquidação das operações. Montar essa estrutura custa caro e impede que empresas de médio porte participem do mercado. Apesar das críticas, as empresas preferem manter o modelo atual. No entanto, se tiverem que se desfazer de duas partes da operação, manterão apenas o credenciamento. O aluguel dos terminais responsáveis por capturar as transações é considerada uma atividade acessória. Todos os POS poderiam ser vendidos em leilão para uma empresa que ficaria responsável pelo serviço. Já a o negócio de liquidação poderia ser terceirizado, por exemplo, para a Cetip (responsável pela liquidação e custódia de diversos títulos privados).

Essas soluções, apesar de possíveis, não são consideradas as ideais pelas empresas. O primeiro problema seria de segurança. Seria complicado determinar responsabilidades em caso, por exemplo, de roubo de senhas de diversos cartões se o número de empresas que devem responder pela segurança do processo subir de uma para três. Hoje o lojista também já sabe que deve acionar a Redecard ou a Visanet caso tenha algum problema de rede ou um defeito em um POS que o impeça de aceitar cartões como pagamento. Outra vantagem do modelo atual é que as empresas compram centenas de milhares de terminais de uma única vez – o que diminui os custos. Isso dá à Redecard e à Visanet condições de instalar POS em estabelecimentos comerciais que não seriam rentáveis caso o custo do equipamento fosse mais alto.

Por último, as empresas disseram ao BC que países como Holanda, Alemanha, Reino Unido, Bélgica e França também adotaram a desverticalização no setor de cartões por determinação de seus bancos centrais há alguns anos, mas a medida não trouxe benefícios nem a lojistas nem a consumidores. Com o tempo, as empresas voltaram a verticalizar seus negócios, desta vez com a anuência dos bancos centrais.

O estudo do BC também critica o prazo de 30 dias para o lojista receber em sua conta o dinheiro relativo ao pagamento com cartão de crédito. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse prazo é de dois dais. A empresas disseram ao BC que o sistema brasileiro é totalmente diferente – o que inviabiliza a comparação. No Brasil, é muito comum que os consumidores paguem compras no cartão de crédito de forma parcelada. Já o consumidor americano paga juros sempre que não pagar suas compras à vista. Essa foi a forma desenvolvida pela indústria brasileira de cartões para tomar espaço do cheque pré-datado – também algo incomum no mercado americano.

Além disso, as empresas dos EUA só conseguem liquidar as transações em dois dias porque têm uma receita muito grande com o crédito rotativo. O consumidor americano tem por hábito dividir suas compras no cartão em diversas parcelas – e pagar juros por esse serviço. Além disso, caso um americano resolva parcelar seus pagamentos no cartão, os juros começam a ser contados a partir do dia do fechamento da compra – e não desde o vencimento da fatura como acontece no Brasil. Redecard e Visanet ainda afirmaram ao BC que esse prazo de 30 dias não constitui um problema para muitas lojas porque seus fornecedores de produtos também costumam dar um prazo de 30 a 60 dias para que o pagamento seja realizado.

A indústria concorda em adotar prazos de liquidação mais parecidos com o americano, mas quer que essas outras características do mercado brasileiro também se tornem mais parecidas com as dos EUA – o que acabaria prejudicando os consumidores. As empresas pedem apenas que, se essa mudança vier, que seja feita de forma bastante gradual e que haja tempo para a adaptação às novas normas. Para uma das pessoas que participa das reuniões sobre o assunto, essa é a mudança mais complexa e difícil de ser implementada entre todas as propostas apresentadas pelo BC.

Na consulta pública aberta pelo BC para discutir mudanças no setor de cartões, foram recebidas 57 manifestações e extraídas 12 críticas e sugestões. O BC analisará todas as propostas e divulgará até 30 de setembro a versão final do relatório em que indicará as melhores formas de aumentar a concorrência no setor. Só então Redecard e Visanet saberão se seus esforços para o convencimento do BC funcionaram. Procurada, a Abecs disse que divulgaria a íntegra do documento que foi entregue ao BC nesta sexta-feira. A Redecard informou que não se manifestaria sobre o assunto. Já a Visanet disse que poderia falar porque continua em período de silencio por ter realizado sua oferta inicial de ações nesta semana.

Exame

Link: A resposta do setor de cartões à pressão do BC

Written by gandalfwizard

4 de julho de 2009 às 07:43

Publicado em Banco Central, Redecard, VisaNet

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